[ZINE] “Falando Sobre Autodefesa – Da Autodefesa à Libertação e Autonomia”, por Unio Mystika

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Este pequeno livreto ou zine como alguns chamariam é um compilado de pensamentos das quais tomo partido em torno da importância e necessidade imediata da autodefesa de força popular e individual juntamente com estratégias, táticas e práticas para se autodefender e estabelecer condutas conscientes neste tipo de organização, seja ela na escala da guerra de classes contra o Estado/burguesia e seus braços armados (polícia, milícia, grupos de ódio como a Ku Klux Klan e alguns outros) ou no violento âmbito dos grupos hierárquicos sociais que são confrontados por relações históricas de poder onde se criam opressorxs e oprimidxs, em questão, negrxs que são violentadxs pelo racismo,

mulheres que são violentadas pelo patriarcalismo, imigrantes que são vítimas da xenofobia, praticantes de religiões minoritárias que são agredidxs pela intolerância religiosa, população LGBT que é constantemente violentada por preconceituosxs e odiosxs à aquelxs que fogem às normas consideradas padrões de sexo e de gênero, comunidades tradicionais como indígenas e quilombolas que são confrontadas historicamente por interesses políticos e econômicos de grandes grupos e indivíduos, campesinxs que são constantemente de modo fatal agredidxs por grandes ruralistas, fazendeiros ou latifundiários e alguns outros grupos que sofrem agressões constantes e contínuas por quem privilegiado economicamente e politicamente ou devida alguma hierarquia social instituída agride fisicamente ou psicologicamente de forma direta ou indireta aquelxs que devido a um conjunto de fatores externos são  hierarquizadxs inferiores e postxs em exploração contínua. Este escrito é um chamado a auto-organização e auto-defesa e vai mais longe, manifesta total descontento e repúdio a luta reformista que por lógica impede a eliminação dos valores culturais hostis a determinados grupos sociais e também impede a mudança das condições políticas-econômicas-sociais injustas dais quais nós libertários lutamos contra. O manifesto é um chamado à auto-organização popular ou ação individual para se auto-defender e estender popularmente a luta comunal para alavancar uma luta revolucionária global sem precedentes onde esteja por meio de uma autonomia todo poder ao povo empoderado e consciente e claro, composto de indivíduos anti-autoritários e auto-determinantes livres de todas as formas de coerção, controle e dominação.

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Falando Sobre Autodefesa – Da Autodefesa à Libertação e Autonomia

Necessitamos pra já nos autodefendermos. O governo não governa para nós e a polícia não existe para nos proteger, mas para manter a ordem injusta que privilegia xs ricxs e mantém xs oprimidxs nas condições históricas de explorados. Há um consciente plano político de extermínio sendo executado neste exato momento por aquelxs que detém o poder sobre nossas vidas e sobre as instituições sociais que injustamente as regulam. O Estado é o maior exemplo disso. O órgão composto e organizado por quem nos explora e controla e que nos ataca em várias frentes institucionais e para além delas.
Há também na escala social hierarquias que constituem certos grupos em privilegiados e exploradores históricos e outros em oprimidos. Conscientemente e inconscientemente isso é promovido e até mesmo amparado pelo Estado e pela ordem política, social e econômica que o regula e institui as majoritárias organizações sociais presentes e também comportamentos individuais e coletivos de caráter hostil a instâncias étnicas, raciais, sexuais e de gênero, classistas e tudo aquilo que foge a um padrão dominante. Estas condições transformam negrxs e outrxs não-brancxs em exploradxs e violentadxs históricos pelxs brancxs e seus comportamentos racistas, as mulheres em exploradas e violentadas históricas pelos homens e seus comportamentos patriarcais, aquelxs que fogem às normas consideradas padrões de sexo e gênero a exploradxs e violentadxs históricos por aquelxs que possuem comportamentos preconceituosos e de ódio contra a comunidade de LGBTs, pobres e periféricxs a exploradxs e violentadxs historicamente por aquelxs que constituem a burguesia e instituições militares/paramilitares e alguns outros grupos como vítimas de comportamentos de ódio como por exemplo, imigrantes e a violência xenofóbica e o ódio contra religiões minoritárias por meio da intolerância religiosa. Tanto no âmbito de classes quanto no âmbito dos grupos sociais nossa sociedade é dividida em violentadorxs e vítimas. Os grupos majoritários e autoritários devem imediatamente renunciar a seus comportamentos hostis e a suas condições de exploradores históricos dentro desta nossa cultura violenta, mas isso não pode ser alcançado do dia para a noite, e até muitas das vezes mesmos conscientes de suas condições agressivas estes grupos não pensam em largar a condição agressora e até agem para além da violência psicológica e desferem fisicamente seu ódio. É assim com a instituição polícia contra periféricxs e negrxs, é assim com grupos nazistas contra xs não brancxs, é assim com fascistas contra ideologicamente opostos ou imigrantes, é assim com muitos patriarcalistas contra as mulheres, é assim com grandes ruralistas e latifundiários contra a população indígenas e outros povos ancestrais.
Pra já a maior necessidade é nos auto-organizarmos contra nosso inimigo comum em aquilo que nos une em condição unanime: contra o Estado e pelxs pobres. Paz entre xs pobres e guerra ao Império. Em segunda ação e também imediata é necessário nos auto-organizarmos separadamente em grupos de exploradxs contra xs diversxs dominantes exploradorxs: negrxs e outrxs não-brancxs se autodefendendo contra racistas, mulheres se autodefendendo contra os patriarcalistas, comunidade de LGBTs se autodefendendo contra xs desferidorxs de ódio ao grupo e todos os outros grupos de oprimidxs se auto-organizando contra seus opressores e pela própria auto-organização social para a busca da eliminação desta cultura e ordem sociopolítica que privilegia uns e exclui outrxs. Grupos conscientes e praticáveis do diálogo, pois nem todo opressor é opressor porque quer ou está naquela condição por opção. Todos nascemos envoltos nesta cultura violentadora e praticável da violência contra algum tipo de grupo, mas há aqueles que sabem o que fazem e o fazem por puro prazer ou fundamentados ideologicamente por alguma ideologia política ou religiosa de ódio. Às vezes por mera prática social, outras por pura autoridade e fascismo. Para estes o diálogo não basta, pois eles irão perseguir, agredir ou até mesmo matar suas vítimas, pois é o que fazem e acreditam. Para estes não resta menos do que uma resposta à nível, algo que Malcolm X denominava não de violência, mas de inteligência, que é a autodefesa popular. Malcolm frente ao racismo desferido à comunidade negra afirmou que seria pacífico com aqueles que fossem pacíficos com ele e seria violento com aqueles que o violentassem. É esta a lógica da autodefesa. Frente aos “odiadores pacíficos”, o diálogo para a tentativa de desconstrução de tal comportamento, mas de cara com os odiadores praticantes da agressão física ou profundas agressões psicológicas, o radicalismo e o extremismo são necessários para frear por todos os meios necessários as bolhas de ódio, independente de qual seja o saldo da ação, como por exemplo, aniquilação total do opressor.
A autodefesa não é somente formar grupos de defesa em combates físicos, mas forçar todos os requisitos legais e ilegais que implicam na sua própria proteção dentro da sua condição de exploradx ou mesmo agredidx por algum grupo agindo de forma imprudente, mesmo estando ambxs em condições privilegiadas ou semelhantes. É uma conduta consciente com pressupostos de justiça.
A autodefesa é não dar a outra face nem orar para que uma condição violenta histórica desapareça da noite pro dia, é se interpor ao problema e ser benditx socialmente pela tomada da ação direta. É dar independência para que negrxs ajam com a devida justiça contra seus violentadores, para que as mulheres ajam com a devida justiça contra seus agressores, para que xs LGBTs busquem a justiça aos seus hostilizadores assim como os outros grupos de exploradxs, e não o contrário, exploradorxs impondo uma patife justiça xs oprimidxs instituída de cima para baixo ignorando as relações históricas de poderes existentes.
A autodefesa é também uma conduta necessária para eliminar do âmbito social a existência de instituições militares e paramilitares que em sua grande maioria são detentoras de uma parcela dos valores agressivos da qual nós libertários lutamos contra. Sendo nós mesmxs xs próprixs mediatorxs justxs de nossos problemas sociais eles não serão demandados a indivíduos injustos e violentos que servem aos interesses do nosso inimigo comum: o Estado/burguesia. Estas instituições incompetentes ao agirem sob ordens e reproduzindo valores dominantes acabam por gerarem somente mais violência. O justo é nós por nós, e sendo nós por nós instituindo a autodefesa justa abriremos caminho para novas formas de se organizar politicamente, formas anti-governistas e anti-partidárias. Métodos autonomistas aptos a abarcarem também valores justos e desconstrutores da cultura violenta que cria grupos hierárquicos de opressorxs e oprimidxs. Além de também trabalharem numa verdadeira justiça social autônoma estes métodos auto-demandados podem acabar com violências que o Estado sempre falhou em cessar como por exemplo, a do crime organizado e outros crimes sociais que desferem violência gratuita do nosso povo para com nosso próprio povo. A autodefesa é nós mesmxs tomarmos conta de nós mesmxs embasadxs em valores que consideramos justos, os libertários, valores que xs agressorxs históricos nesta ordem social, política e econômica e nesta cultura violenta nunca terão.
É bastante frutífero que no âmbito das comunidades ancestrais e campesinas se pode mediante a autodefesa surgir uma auto-organização que poderá ceder espaço à autonomia popular e individual anti-partidária e anti-governista contra o Estado e o capital. A ausência do Estado e a intervenção violenta do modelo neoliberal por meio de grupos com interesses político-econômicos como fazendeiros, latifundiários, ruralistas ou corporações e empreiteiras com mega-construções que seguem gerando massacres históricos contra o campesinato e comunidades indígenas e tradicionais rupestres podem ser combustíveis para uma resistência implacável e sem precedentes assim como também ser chances para uma nova forma de organização política, social e econômica. Necessita-se somente de conhecimento e organização e ação popular. Terra e Liberdade (1) existem em proporção colaboracionista para uma revolução social no campo e destituição de autoridades locais e aniquilação de pistoleiros e outros algozes por meio da organização de revoltas armadas do campesinato ou mesmo de indígenas. Podemos perceber o sucesso deste tipo de ambientação em várias regiões pelo mundo, com destaque para o México. As comunidades Zapatistas (2) e Chéran (3) são com força uma referência. Da autodefesa à busca e tomada da justiça e hoje se mantém em suas autonomias. Já na Ilha de Bougainville a resistência contra uma mega-mineradora descarrilou uma guerra sem precedentes (4)dos povos indígenas locais contra o governo de Papua-Nova Guiné e Austráliae que além de interromperem e expulsarem todo o projeto, instituíram a autonomia local de nível pouco antes visto nos últimos anos. Já na Síria as décadas de racismo e miséria instituídas por governos locais somadas ao avanço crescente do grupo fundamentalista Estado Islâmico obrigou os curdos sírios do norte a se autodefenderem e criarem um modelo político-social anarquista. Daí nasceu a Unidade de Proteção do Povo e Unidade de Proteção das Mulheres (5) para autodefender o já em andamento projeto político-social libertário na região de Rojava, uma das maiores referências ácratas atualmente no mundo.
Novamente falando do México podemos ver no narcogoverno neoliberal mexicano os cartéis de crime organizado e a violência de Estado forçarem o povo a se auto-organizar em grupos patrulheiros em suas comunidades e o sucesso disso é que além de expulsarem os agressores, costumeiramente descarrilam também com amplo apoio popular insurreições que estão cada vez mais a expulsar e a derrubar governos e autoridades locais, dando novamente espaço para a autonomia popular. Podemos ver estas “polícias comunitárias” no estado de Guerrero, onde ano passado a polícia estatista a mando do governo municipal de Iguala e em aliança com o crime organizado atacou uma caravana de estudantes que tentava arrecadar dinheiro e desapareceu com 43 pessoas (6). Para combater este tipo de “rotina” das comunidades locais já há dois ano antes havia surgido (7) a Frente Cidadã Comunitária no município de Huamuxtitlán, onde igualmente em quase todo o México o governo era aliado do narcotráfico e tinha total apoio da polícia. AFCC é formada principalmente por camponeses, comerciantes e pequenos agricultores locais. As rondas do grupo auto-organizado seguem as diretrizes de assembleias populares locais. Nos últimos dois anos nasceram dezenas de grupos de autodefesa comunitária em vários estados do México, em sua maioria defendendo bosques, mananciais, direito a terra e a moradia e fazendo oposição à violência dos grupos criminosos e à total ausência da polícia e do Estado, ou melhor, ao seus conluios com o crime organizado. Talvez o primeiro exemplo deste tipo de patrulha popular seja o CARC(Coordenadoria Regional das Autoridades Comunitárias), grupo formado no estado de Guerrero em 1995 (8) inspirado pelo levante do Exército Zapatista de Liberação Nacional (2), de 1 de janeiro de 1994, em Chiapas. Referenciadas algumas comunidades indígenas mixtecas e tlapanecas do município de San Luis se auto-organizaram para fazer oposição à violência do crime organizado e à ausência das instituições de Estado. Durante seus 17 anos de atividade, aCRAC se estabeleceu no território, transformando-se na única “força policial” respeitada e considerada próxima dos povos originários. Em Michoacán, outro estado do México, mais precisamente no povoado de Pareo, inspirados pela ausência do Estado e as violentas ações do crime organizado, populares se auto-organizaram e formaram uma autodefesa popular para expulsar o cartelCavaleiros Templários (9). Conseguiram. Retomaram o povoado e conquistaram a confiança do povo. Composto por agricultores, camponeses e vários outros civis o grupo conseguiu não só banir o crime organizado para fora da região, mas alcançou diminuir também os próprios índices de violência dentro do povoado. Em Cherán, município majoritariamente indígena e bastante tradicional a sabedoria e costumes ancestrais, ainda no estado de Michoacán, talvez tenha ocorrido a mais frutífera evolução política consequente dos passos dos mesmos propósitos da defesa popular. Inundado na corrupção do governo e violentado diariamente pelo intenso crime organizado o povoado formou uma frente popular comunitária de autodefesa que não só defendeu intensamente a comunidade expulsando os cartéis criminosos e derrubando a quase zero as ocorrências criminais, mas expulsou também os partidos políticos instituindo uma autonomia política local e inclusive ganhando o reconhecimento por lei de se auto-organizar sem intervenções políticas partidárias (10), possuindo o direito de exercer toda sua cultura ancestral e de defender sua região, incluindo seus bosques que eram severamente danificados por madeireiras e latifundiários.
A autodefesa pode ser responsável por criar “zonas de opacidade” (11) no ambiente social onde podem se converter em regiões inalcançáveis ao poder político estatista por radicalmente serem autogeridas pelo povo autodeterminante que rechaça qualquer autoridade, sendo assim um ambiente fértil para se instituir zonas autônomas temporárias (12) ou mesmo permanentes (1). Desarmada a população se torna presa fácil aos aparelhos repressores da rede de dominação e de controle do Estado, mas a partir do momento em que os povos se organizam popularmente em formação militar para se autodefenderem e comunalmente/tribalmente detém esta filosofia auto-organizativa e auto-defensora em mente, este poder popular confronta as forças do Estado que já não pode reprimir facilmente e nem coagir a população e suas comunidades a atender aos seus interesses políticos e econômicos.
As zonas periféricas das grandes cidades talvez sejam os locais onde mais se force a população à necessidade de uma autodefesa do povo devido a violência governista por meio da ausência política popular e por causa de ações extremamente violentas das forças armadas do Estado ou mesmo de grupos traficantes de zonas rivais. Beira a questão de vida ou morte. Extorsões, sequestros e homicídios, agressões e chacinas, roubos e estupros, ameaças e terror psicológico são apenas algumas das atrocidades diárias cometidas por policiais e milícias dentro das periferias. É um ciclo impossível de politicamente ser rompido por via governista a medida que temos Estados incompetentes totalmente ausentes e marginalizadores e que só agem para controlar xs excluídxs por meio de ações militares para seguirem explorando e excluindo num plano marginalizador que só cresce e tende a crescer. Partido nenhum governa para nós e a Polícia existe para permitir esta ordem injusta onde exista exploradorxs e exploradxs, respectivamente donxs dos meios de produção e proletárixs. Marginalizadxs, exploradxs e chacinadxs deste inferno social é necessário emergir uma força popular implacável para ceifar de vez por todas através de todos os meios necessários estas condições subumanas. Nos Estados Unidos de condições semelhantes podemos ver emergir oPartido dos Panteras Negras (13). Num quadro social não muito diferente do brasileiro e do que se encontra em várias regiões do mundo com a população negra e pobre, o terror e a miséria reinavam em zonas marginalizadas onde a pobreza imperava e a extrema violência policial era constante. Deste meio surgiram os Panteras que rapidamente se expandiram para todo o país. Inspirados por Malcolm X xs negrxs e algumxs outrxs excluídxs se auto-organizaram em grupos fortemente armados e começaram a patrulhar seus bairros contra a violência policial. Sempre que presenciavam alguma abordagem da polícia confrontavam a ação para assegurarem a integridade dx abordadx, e com isso foram ganhando grande adesão das periferias e resolvendo um dos principais problemas que era a violência policial nas favelas norte-americanas. A auto-organização para autodefesa conseguiu também acabar com boa parte do tráfico prejudicial de drogas e com a violência gratuita do povo para com o próprio povo nas regiões patrulhadas e até mesmo abriu espaço para uma luta revolucionária embasada peloPrograma de 10 Pontos (13) do Partido dos Panteras Negras para a luta e libertação do povo negro. Das ações do grupo emergiram também esboços de práticas autonomistas como cooperativas de alimentação e de transporte, clínicas públicas de saúde para atendimentos aos negros e serviços gratuitos de calçados e vestimentas, entre alguns outros trabalhos comunitários como educação popular e atividades de lazer. Apesar de toda sua imensidão e força o partido teve uma maior concentração na luta pelos direitos civis dos negros e a integração à grande sociedade norte-americana e frente a isso surgiram alas mais radicais que criticavam o que chamavam de reformismo dentro da organização e reivindicavam uma revolução social para além do discurso, criando assim cisões que apoiavam a luta negra revolucionária para além da autodefesa. Compreendiam estes grupos por lógica que transformando o quadro político, social e econômico os problemas que os Panteras desgastantemente lutavam iriam automaticamente desaparecerem. Por mais que possuíssem um estruturado programa revolucionário baseado em dez pontos os Panteras Negras pouco se estendiam na prática para além da luta pelos direitos civis dxs negrxs e da luta radical de autodefesa, focando-se em ações comunitárias e de defesa popular. O mesmo Malcolm que os inspirava uma vez disse,“não se tem uma revolução quando se ama o inimigo; não se tem uma revolução quando se está implorando ao sistema de exploração para que ele te integre. Revoluções derrubam sistemas, revoluções destroem sistemas”, e talvez tenha sido esse o motivo do surgimento da organização política-militar de orientação revolucionária Black Liberation Army (14) (Exército Negro de Libertação). O grupo surgiu pós-ruptura de vários membros do Partido dos Panteras Negras descontentes com o que chamavam de reformismo. Eles queriam algo maior, uma libertação total do povo negro, portanto tinham em sua agenda lutas anti-racistas, anti-machistas e anti-sexistas, anti-capitalistas, anti-imperialistas e claro, socialistas numa autodeterminação com todo poder ao povo. Para além da autodefesa focavam-se bastante em ações diretas de expropriação, sequestros e roubos, ataques incendiários e explosivos e vários outros métodos para desestabilizar o Estado e a burguesia e levantar fundos para impulsionar a luta pela revolução da qual buscavam. O BLA é um exemplo de grupo que se levantou no meio revolucionário partindo de raízes da autodefesa enquanto membros ainda integravam o Partido dos Panteras Negras e ainda no sentido revolucionário anos mais tarde depois do grupo ser desestabilizado devido ações da contrainteligência norte-americana, vários ex-membros do grupo entraram para a militância anarquista, sendo alguns dos mais conhecidos, Ashanti Alston (15) e Kuwesi Balagoon, seguindo então com o que acreditava Malcolm sobre o verdadeiro sentido de uma libertação ser somente por via revolucionária e não reformista. Contanto seria um grotesco erro classificar os Panteras Negras como reformistas. Seu foco em autodefesa da comunidade negra e ações comunitárias foi puramente solidariedade e estratégia política para uma grande revolução sociopolítica futura bem organizada. Focaram-se primordialmente em questões básicas para a luta, a manutenção da própria sobrevivência para depois se organizarem num profundo movimento revolucionário de combate ostensivo. O próprio Huey P. Newton, um dos fundadores do PPN, afirmou tal objetivo em um de seus inflamantes discursos (16). Os programas comunitários eram de vital importância para a estratégia dos Panteras. Primeiro, eles demonstravam que a política era relevante para a vida das pessoas – alimentar uma criança faminta, dar cuidados alimentares, médicos e vestuário mostravam que os Panteras se preocupavam com as necessidades das pessoas. Segundo, mostrava o que podia ser conseguido se você estivesse auto-organizado. Os programas conseguiam muito com recursos muito limitados, mas também conscientizava as pessoas de quanto mais poderia ser conseguido se tivessem por meio de um poder popular os recursos disponíveis ao governo e às corporações. Bobby Seale, co-fundador do PPN, uma vez afirmou: “Muitas pessoas não entendiam a política destes programas; algumas tinham a tendência a chama-las de programas de reformas. Não eram programas de reformas; eram realmente programas comunitários revolucionários. Um programa revolucionário é um ataque direto pelos revolucionários, por aqueles que querem mudar o sistema existente por um sistema melhor. Um programa de reforma é montado pelo sistema explorador existente como uma doação apaziguadora, para enganar as pessoas e mantê-las quietas. Exemplos disso são os programas de pobreza, primeiro emprego e coisas do tipo”. Então enquanto a tais críticas talvez o BLA não tenha sido tão paciente e estratégico.
Outro grupo surgido duma matriz de autodefesa dos Panteras Negras foi oBlack Guerrilla Family (Família da Guerrilha Negra). Esta organização possui um caso bastante particular, ela surgiu dentro de uma prisão após Huew P. Newton (13) ser preso e entrar em contato com George Jackson, um presidiário na prisão de San Quentin. O Pantera convenceu Jackson a entrar para o partido e posteriormente foi ele co-fundador juntamente com W.L. Nolen de um outro grupo, surgindo então a Família da Guerrilha Negra, grupo ainda contínuo e de orientação revolucionária que só recruta membros na prisão e tem objetivos como dignidade dentro da cadeia, erradicação do racismo e pretensões revolucionárias político-sociais assim que os membros deixem o presídio. Lembram em alguns aspectos a Cruz Negra Anarquista (17). Outro interessante acontecimento numa prisão foi a conversão da gangue latina de rua Young Lords a um grupo revolucionário logo depois que o pantera negra preso Fred Hampton convenceu José Jiménez, seu fundador, sobre o Programa dos 10 Pontos e seus objetivos revolucionários (16), fazendo com que após Jiménez saísse da cadeia transformasse sua gangue em algo parecido com o PPN e criando também uma aliança entre os dois grupos. Ainda seguindo a linha de autodefesa e periferia outro fato louvável que vem ocorrendo nas periferias estadunidenses é a união entre gangues declaradamente rivais históricas. A maior prova disso é a recente união entre a Crips e a Bloods (18), dois conhecidos grupos mortalmente odiosos, mas que vem cessando violências mútuas gratuitas para lutar por um objetivo semelhante em suas comunidades, contra a violência policial. Durante a insurreição popular esse ano em Baltimore as duas gangues uniram suas cores e somaram-se juntas nos mesmos ideais e foram vistas por diversas vezes unidas e afirmando que deixaram as diferenças de lado para lutar por algo maior que era a luta contra o extermínio e marginalização do povo negro. Membros da Família da Guerrilha Negra também integravam-se na junção. Talvez pudessem ser os mediadores já que são declaradamente aliados dos dois grupos, mas mediadores ou não é fato que as duas gangues vem se unindo contra a violência da polícia e um dos reconhecedores disso é oGeneral T.A.C.O (Taking All Capitalists Out), também conhecido comoWolverine Shakur, líder do grupo Black Riders Liberation Party, um grupo de Los Angeles tido como “a nova geração do Partido dos Panteras Negras” (18).T.A.C.O em uma entrevista em maio deste ano ao Vice afirmou, “vemos a necessidade de educar nosso povo para autodefesa armada e serviço comunitário; depois disso, queremos uma comunidade na qual estejamos no controle da polícia e possamos desarmar os porcos. Mas isso apenas não funcionaria: precisamos de uma revolução total para lidar com o terrorismo policial, porque, enquanto o Estado estiver no bolso da classe dominante, sempre teremos conflito racial e de classe”, e sobre a união das duas gangues disse, “Bloods e Crips estão tendo negociações de paz em todo o país agora, não apenas em Baltimore”, observando ele também a união entre outros dois grupos, o Vice Lords e os P. Stones, logo após a morte deFreddie Gray, um negro norte-americano desarmado que foi morto pela polícia dos EUA. T.A.C.O concluiu dizendo “única coisa que pode impedir nosso povo de alcançar a verdadeira liberdade, justiça e igualdade é a desunião entre nós. Nosso objetivo é educar e liberar não só os negros, mas ser a vanguarda de uma revolução global para acabar com qualquer forma de racismo ou imperialismo no planeta. Não podemos ser livres enquanto um escravo continuar oprimido.” Ainda inspirado nos Panteras negras surgiram alguns outros grupos de autodefesa bastante semelhantes e inclusive baseando-se em seus programas dos dez pontos. Alguns deles defendiam a comunidade asiática que sofria com a xenofobia e também com alguns outros problemas que os negros enfrentavam e os responsáveis por esta militância foram os integrantes do Red Guard Party (13). Outro grupo foi o Red Power Movement (13), um movimento pan-indigenista que lutava pelos direitos indígenas e de alguns outros povos tradicionais.
A união é o mínimo que devemos fazer caso queiramos sobreviver às intensas chacinas diárias promulgadas pelo Estado/burguesia. Já somos politicamente exterminadxs e muitas das vezes ainda caímos em tretas inúteis contra aquelxs que estão no mesmo quadro social de violência, marginalização e extermínio da qual nós estamos. São brigas de bairros, gangues, ruas, quadras, guerra entre morros e com isso xs verdadeirxs promulgadorxs do nosso estado social de miséria seguem sossegadxs nos explorando e se enriquecendo às custas de nossas mortes. Devemos utilizar nossa disposição de agressões mútuas para cessar conflitos inúteis, nos auto-organizarmos e direcionar aos reais inimigos toda nossa cólera utilizando de todos os nossos arsenais e formações já disponíveis e para além deles. Você integrante de uma gangue pode transformar seu grupo em uma organização de autodefesa popular, comunitária ou de algum grupo específico e de luta por melhorias sociais ou até mesmo numa formação com objetivos revolucionários assim como fez José Jiménez com a Young Lords após conhecer o Programa de 10 Pontos dos Panteras e assim como estão fazendo a Bloods, Crips e diversas outras gangues contra a polícia e em prol de suas comunidades e de melhores condições sociais. É necessário de imediato que saiamos do transe hipnótico que nos coloca a burguesia e da condição inofensiva de oprimidxs pacíficxs dizimadxs de forma silenciosa e nos auto-organizarmos para nos autodefendermos por todos os meios necessários como já dizia Malcolm X e lutar por uma revolução social. Reaja ou seja mortx. Os grupos de extermínio e a Polícia não irão cessar os massacres e as desigualidades, pois eles existem para garantir que existam, portanto, integrantes de gangues, saibam utilizar de forma útil os espaços que já constituem e se referenciem pelos grupos já citados. O Partido dos Panteras Negras é um deles.
Retornando ao âmbito dos grupos sociais e não de classes é de reconhecimento histórico que o patriarcado segue reprimindo, violentando e exterminando as mulheres das mais horríveis formas. Além do mais criou-se popularmente também uma hierarquização onde o sexo masculino se sobrepõem ao feminino, tornando a sociedade sexista e excluindo e restringindo as mulheres em determinadas funções, lugares, vestimentas, comportamentos e tantas outras questões. O patriarcado se enraizou dentro de praticamente todas as culturas no mundo e a violência gerada contra o sexo feminino tornou-se um genocídio e intensas agressões psicológicas diárias. Contra todo esse ódio social nasceu da revolução anarquista em Rojava, na Síria, a Unidade de Proteção das Mulheres, um grupo revolucionário feminista que não só esmagou e enxotou nas trincheiras os fundamentalistas do Estado Islâmico para fora da região, mas desencadeou uma revolução social feminista dentro da revolução política que ocorria no local (19). Lá existem aulas de feminismo para toda a população, inclusive para as tropas que compõem as guardas comunitárias (objetiva-se educar toda a população à autodefesa para que sejam estas guardas eliminadas). Lá a consciência e empoderamento feminista das mulheres está a esmagar o patriarcado com ajuda dos ensinos libertários e trabalhos contraculturais que combatem o patriarcalismo. Restrições e discriminações em cargos, funções e outros problemas encontrados na grande sociedade patriarcal estão a ser eliminados em Rojava graças a revolução social anarquista impulsionada em grande parte por mulheres e que coloca o feminismo como um dos pontos primordiais. Perceberam que “é impossível criar uma verdadeira revolução social para eliminar o Estado sem antes eliminar o patriarcado” (19), e assim a estão a fazer com grandes ações das feministas de Rojava e da Unidade de Proteção das Mulheres, organização que poderia ser tida como uma verdadeira colheita da semente plantada pelas Mujeres Libres (20) durante a Guerra Civil Espanhola, grupo anarco-feminista revolucionário que lutava não só contra o Estado e a burguesia ao lado da CNT-AIT (21), mas indomavelmente combatia e esmagava o patriarcado. Ambos os grupos feministas de empoderamento, auto-emancipação, combate e autodefesa guiados por ideais anarquistas perceberam que uma revolução social anti-estatista e anti-governista seria inútil sem antes haver a eliminação total do patriarcado, então numa auto-organização se priorizaram para se assegurarem disso. Outro grupo de autodefesa feminina que vem chamando atenção no mundo é o indiano Gulabi Gang (22) (Gangue de Rosa). Contra a violência extrema às mulheres presente na Índia uma organização de mais de 270 mil integrantes opera mediando conflitos domésticos, “arrumando casamentos”, denunciando a corrupção de burocratas e, se necessário, usando lathis (bastões de madeira de um metro e meio de largura) para revidar abusos. Constituiu-se inicialmente em um grupo de autodefesa contra todo e qualquer tipo de violência ao sexo feminino, mas hoje expande suas atividades para além da autodefesa feminina e desenvolve trabalhos comunitários. Em países como o Brasil onde as violências domésticas ou mesmo sexuais se estendem a taxas alarmantes, uma organização do tipo daria não menos que o necessário aos violentadores. Ou melhor, basta um só abuso para que se exista a necessidade da auto-organização e empoderamento feminino juntamente com o aprender e aprimorar de táticas e práticas de autodefesa. O Gulabi Gang nos mostra que isso é possível e pode ser ainda mais aprimorado assim como foi a Unidade de Proteção das Mulheres e as Mujeres Libres. Este tipo de organização pode se tornar uma luta ostensiva e libertária contra o Estado e o patriarcado, pois possui grande potencial e caraterísticas para tal e suas ações contra a violência à mulher demonstram isso. É necessário se alcançar a libertação total da mulher e a destruição integral do patriarcado e não somente a autodefesa dentro de uma cultura violenta contínua.
Para finalizar as referências cito aqui uma organização surgida no âmbito de uma luta mortal travada pelos povos camponeses africanos contra as corporações multinacionais produtoras de petróleo que atuam no Delta do Níger, zona petroleira do sul da Nigéria, Pelo fim da exploração do petróleo, violações dos direitos humanos e da destruição das zonas naturais exploradas surgiu na região o Movimento para a Emancipação do Delta do Níger (23), uma guerrilha popular que hoje compõem cerca de 15 mil militantes e além de autodefenderem suas zonas buscam também o socialismo. Como podemos ver em várias partes do mundo mega-construções violam em extremo os direitos humanos de comunidades tradicionais destruindo seus saberes ancestrais, suas culturas e também suas regiões necessárias para o auto-sustento. Os governos destas várias regiões ao redor do Planeta por meio de um plano político neoliberal dão aval para estas operações serem executadas. Algumas destas destrutivas atividades podem ser vistas em Xingu, com a usina de Belo Monte (24) ou a usina de Hasankeyf (25), na Turquia e o projeto da mega-mineradora Southern Copper Corporation em Tía María, no Peru, rechaçada em condição unanime por campesinos da região(26). Qualquer campesinato ou povos tradicionais pode se levantar em armas com a digna raiva como fez o Movimento para a Emancipação do Delta Níger e legitimamente defenderem seus territórios e a autodeterminação e justiça. Basta somente instrução, organização, revolta e ação popular.
A imediata justa autodefesa por todos os meios necessários é extremamente necessária, seja para eliminar as relações hierárquicas e opressoras entre grupos sociais ou seja ela para defender uma luta classista revolucionária que abrirá caminho para criar nossa autonomia libertária. Cesse tretas ridículas e transforme sua gangue num grupo de autodefesa contra violações da polícia na periferia ou contra violações a determinados grupos sociais, como o de negros. Transforme seus grupos de afinidade em grupos de propósitos revolucionários. Se articule entre os grupos em que se assimila, grupos de negros, que tem como grande referência o Partido dos Panteras Negras e o Black Liberation Army, de indígenas, que tem como grande referência os Zapatistas e a Aliança Magonista Zapatista, de mulheres, que tem como grande referência as Mujeres Libres e a Unidade de Proteção das Mulheres, de LGBTs, que tem como referência o ácrata Bash Back! ou de imigrantes, pobres e precarizadxs e lute a partir de já pelo justo. E lembrem-se, a autodefesa pode constituir-se no meio libertário como parte de um movimento maior que é a busca da nossa autonomia, então é ela só uma estratégia que faz parte da resistência estratégica (27) que deve ser nossa luta e se estende por várias instâncias, coletivas e individuas e legais e ilegais, todas com reciprocidade entre si em prol de objetivos comuns ou próximos.
A autodefesa pode ser utilizada como levantes armados contra o Estado para a busca da autonomia e também para defender de forma ostensiva zonas já libertas ou teoricamente sob proteção de governos e sob decretos, mas que sofrem diariamente com extrema violência, como são os casos de zonas indígenas e quilombolas. Pode também se converter permanentemente na ação justa de proteção social embasada em preceitos libertários e substituindo órgãos militares estatistas. Mas apesar de tudo dito não basta somente se autodefender enquanto se existe no âmbito social e político uma cultura contínua com valores de ódio por aí permeando nas mentes atrasadas daqueles que querem xs historicamente oprimidxs aniquiladxs. Precisamos na verdade é de um fim para todo nosso atual quadro social, político e econômico e para alcança-lo a autodefesa nos prova que uma luta classista contra nosso inimigo comum Estado/burguesia e uma luta contra os valores de ódio como racismo, machismo, sexismo, xenofobia, LGBTfobia e vários outros podem muito bem serem aliadas para a batalha contra a eliminação das hierarquias sociais que criam grupos de oprimidxs e opressorxs e também contra a eliminação do Estado e de classes sociais que criam outras injustiças sociais relacionadas a qualidade de vida. A luta deve se estender da autodefesa ao ataque para firmar a eliminação dos inimigos e suas condições de miséria impostas a nós e que nos agridem constantemente. Devemos avançar e não somente seguir nos defendendo numa condição injusta que nos impuseram.
Vai ficar você omissx sem fazer nada? Busque você uma arma, entende bem o que eu digo? Reúna-se com seu meio, seja ele campesinato, proletariado, diaristas que sofrem violência doméstica, periferia, uma tribo indígena, skatistas, movimento Hip Hop, Punks ou grupos sociais e armem-se. Punhal, pistola, soqueira, bastão, bomba e IDEOLOGIA. Não importa do que seja, o importante é que vocês estejam armadxs e preparadxs. Estejam fisicamente capazes a enfrentar um severo embate físico e pratiquem artes maciais. De preferência lutas criadas integralmente para a autodefesa e aniquilação ou detenção rápida do agressor como o Krav Magá. Aprimorem suas resistências e criem extrema disciplina. Criem e mantenham fundos de apoio a possíveis camaradas presxs e pratiquem Cultura de Segurança (28) tendo em vista que possam ser alvos de serviços secretos de inteligência ou da própria polícia a qualquer momento. Preparem-se psicologicamente para os piores cenários. Convertam seus grupos de afinidades (29) em grupos com tais propósitos de ação ou também de objetivos revolucionários. Estudem e pratiquem resolução de conflitos (30) dentro de grupos. Criem células descentralizadas e com atuações autônomas, mas com força popular e guiadas pelo mesmo ideário. Convençam suas/seus amigas/amigos e próximxs a fazerem o mesmo. E antes de tudo: tenham o ideal revolucionário libertário em mente guiando sempre todos os seus passos. À ação!
Referências:
http://www.uniomystikaum.org/2015/07/zine-falando-sobre-autodefesa-da.html