“A J13 foi fundada com princípios Straight Edge Punk e assim é mantida até o momento”

a-j13-foi-fundada-com-principios-1

[Integrantes da Ocupa 13 de Janeiro, de Curitiba (PR), concederam entrevista à ANA. Confira a seguir.]

Agência de Notícias Anarquistas > Fale um pouco sobre a trajetória da Ocupa 13 de Janeiro, como surgiu…

Ocupa J13 < Tudo iniciou-se anteriormente ao processo de ocupação do imóvel que hoje abriga a Squatt 13 de Janeiro – “J13″. Em meados do ano 1989, anarcopunks ocuparam uma mansão no centro de Curitiba. Organizaram-se em coletivos, entre estes a Juventude Libertária e o coletivo Grávida. Alguns ocupas da J13 participaram dessa experiência e de várias outras subsequentes na cidade e em outras partes do país. Em 2001, fomentaram o espaço “Casa da Ponte”, casa alugada; um espaço para reuniões, articulação entre anarquistas, punks, afinidades. Durante o ano de 2003 formou-se a Regional Ativista de Curitiba. Dentro deste grupo havia o embrião do CMI (Centro de Mídia Independente) e do MPL (Movimento Passe Livre). Faltava ao grupo um espaço físico de reuniões e arquivamento de materiais. Assim surge a ideia da ocupa. Mas só em 2006, com a queda da ocupa N4, hoje Squatt Bosque, em Porto Alegre (RS), ocupas se organizaram em Curitiba e ocuparam definitivamente o imóvel da J13. Como na N4, a J13 foi fundada com princípios Straight Edge Punk e assim é mantida até o momento.

ANA > E por que “13 de Janeiro”?

Ocupa J13 < Após um compa retornar da N4, punks da Regional Ativista (coletivo local) encontraram-se e definiram que ocupariam na manhã seguinte (13 de janeiro) o imóvel abandonado. Este não cumpria função social há pelo menos 20 anos. No dia 13 de Janeiro, uma pequena célula composta por três garotas e dois garotos invade e resiste durante oito meses, mantendo a mesma formação.

ANA > E quem participa dela?

Ocupa J13 < Participam da ocupa uma diversidade plural de indivíduos e grupos anticapitalistas: prostitutas, adictos, punks de diversas tendências, pessoas ligadas ao Movimento Sem Terra (MST), professores universitários, sem teto, dentista, homo-bi-transsexuais, engenheiros, músicos, médico, deficientes visuais… A J13 fomenta organização livre de drogas, independente, plural, horizontal e sem fins lucrativos de grupos que buscam espaço para criação e articulação própria.

ANA > É uma ocupa urbana, totalmente aberta?

Ocupa J13 < É uma ocupa urbana totalmente aberta aos indivíduos e grupos que buscam se organizar autonomamente, de maneira anticapitalista, que respeitem os princípios da ocupação. A casa está dividida em duas parcelas: uma pública e outra privativa. Esta decisão veio após experiências vividas intensamente pelas ocupas, especificamente, depois do quinto ano, quando uma série de circunstâncias nos levaram a reavaliar a convivência de qualquer pessoa no âmbito cotidiano privativo da moradia. Buscamos inspiração em outros espaços punks ocupados para resolver a questão da permanência diária na moradia.

ANA > Poderiam apresentar o espaço fisicamente para quem não o conhece? É um imóvel grande?

Ocupa J13 < A casa está localizada no centro histórico da cidade de Cúritiba. Um bairro tradicionalmente de operários da fundição, em sua maioria alemães e italianos, a casa tem traços da arquitetura européia. Porém a disposição das peças é pouco dividida. Uma única porta estreita da rua para o imóvel que dá acesso ao corredor que se estende até o final do lote. Logo na entrada, do lado esquerdo encontra-se o Centro de Cultura Anarquista (CCA), onde está o acervo da Biblioteca Social Maria Lacerda de Moura; conjugado a uma pequena sala de reuniões. Nesse mesmo espaço há um lance de escada para o porão “Porão de Resistência” onde acontecem gigs, shows, apresentações teatrais e outras intervenções artísticas. Existe também um quintal aberto onde é desenvolvido berçário do banco de sementes crioulas, compostagem, oficina de bicicleta, banheiros, área para lavar roupas… Outras três peças nos fundos do imóvel serve de moradia para algumas pessoas que gestam o espaço. Local este acessível apenas para os moradores. Enfim, é um imóvel pequeno com 18m de comprimento por 12m de largura ou 216m² no total do terreno.

ANA > E quais as atividades da ocupa?

Ocupa J13 < O início serviu para articulação da juventude preocupada em impactar a realidade política social na cidade através das bandeiras pela libertação animal, autonomia, horizontalidade, pluralismo, autogestão, atuantes em movimentos sociais independentes. A primeira atividade externa na casa foi um bate-papo com Ivania e Ignácio que pela ocasião do resgate das sementes crioulas estiveram de passagem por Curitiba rumo a Argentina. Isso nos impulsionou demais, pois a contribuição ideológica, acúmulo e críticas que foram levantas pelo Ciclovida, debatidas com as pessoas que participaram da atividade tem influência até hoje na casa. Isso aconteceu em Março/Abril de 2007.

Depois disso houve vários encontros, dentre eles a Flor da Palavra, que formou um comitê em apoio ao EZLN (Exército Zapatista de Libertação Nacional). Comitê que promoveu mais de dez encontros pela região metropolitana para debater as lutas do pobre e organização popular. Exposição de cartazes e fotos do coletivo Grávida, organização muito forte em Curitiba no final dos anos 1990. Lançamento de vários livros como o primeiro título da Editora Terra Livre sobre a vida do geógrafo E. Reclus e de Luc Vankrunkelsven acerca da questão do monocultivo da soja e o fim do biosistema do cerrado. Fora inumeráveis e memoráveis gigs inaugurado por Defect Defect, Chikens Call, Animinimalista, Los Perversos. Espaço onde muitos grupos se formaram como Holodomor, Nieu Dieu Nieu Maitre, Carne Morta Para Viver, xInfamex e Trégua. Teatro Multidão com peças políticas. Enfim, a coisa sempre ativa.

ANA > Como é a relação da ocupa com os vizinhos? São mal visto fora do ativismo?

Ocupa J13 < Pergunta providencial. Logo quando invadimos o imóvel, nas primeiras horas do dia, fomos enquadrados pelo vizinho ao lado, dono de um bar de pagode na época. Ele foi muito hostil e fez questão de deixar à mostra uma pistola, a fim de nos intimidar. Com o passar dos dias foi essa pessoa e algumas outras pessoas da vizinhança que nos ajudaram muito. Se nos perguntarem se punks, militantes anarquistas, hardcorers/straight edgers, esquerdas ou qualquer outro grupo ‘militante’ nos ajudaram nesse início, a resposta será negativa ou raras exceções. Pudemos contar com nós mesmas e a vizinhança. A casa era local que servia de esconderijo para produtos roubados, depósito de lixo, restos de reformas, animais mortos… fomos uma luz no fim do túnel para o bairro. Mal vistos somos pelo “ativismo”. Nunca fomos tão reprimidos de maneira tão sistêmica e organizada como pela “cena hardcore-punk” e “organizações anarquistas” e “militantes da esquerda”. Nem a polícia tem tanta eficácia como o “fogo amigo”. Esses sim atrasam o lado.

ANA > A ocupa já foi alvo da polícia, ou de grupos fachas?

Ocupa J13 < Tem um episódio interessante sobre isso. Na primeira madrugada que passamos na casa, depois de passarmos o dia inteiro para limpar uma peça a fim de passarmos a noite, o barulho dos bares foi tão intenso que nem o cansaço sentido foi capaz de nos adormecer. Após uma avaliação rápida decidimos deixar a casa no meio da madrugada e foi terrível. Tivemos que passar pelo meio das baladas e os donos dos bares ficaram indignados. Estávamos imundos no meio daquela multidão elegante. Voltamos noutro dia bem cedo e recomeçamos o trabalho. A polícia apareceu e nos despejou a força. Aquela coisa clássica: truculência, estado de terror, ameaças, colchões, pertences rasgados e quebrados. Nesse dia dormi em casa e pensei que não iríamos ter fôlego pra retomar a casa. Na manhã seguinte as garotas resolveram reocupar a casa e a polícia esteve no local. Elas explicaram o caráter da ocupação e convidaram os policiais para tomar um chá. Bem, o resultado foi o menos esperado, a polícia convencida por elas deixou um número de telefone celular para que se qualquer risco acontecesse poderíamos entrar em contato direto com eles.

Em 2011 fomos atacado por skinheads quando esperávamos alguns compas numa praça a três quadras da ocupa. Foi uma brutalidade imensa. Alguns de nós tiveram dentes quebrados, derrame ocular, hematomas enormes, traumatismo craniano, coágulo cerebral, convulsões e algumas semanas de amnésia. Mas a casa em si nunca sofreu ataques desse grupo. O ataque que sofremos foi do tal “fogo amigo”, em que algumas vidraças foram quebradas e ocupas tiveram pequenas lesões como dedos trincados e luxações.

ANA > Qual o principal problema que vocês enfrentam hoje? Algum risco iminente de desalojo?

Ocupa J13 < O risco de desalojo é sempre uma hipótese. Vivemos num bairro pacificado, com todos mobiliários urbanos que um bairro branco precisa ter – calçadas decentes, transporte coletivo, posto de saúde, teatros, cinemas, táxis, hotéis… – área promissora para novas iniciativas comerciais e toda essa merda especulativa que muitos “punks” tem se rendido (lojas, cafés, lanchonetes…). Dessa forma, sempre somos alvos de novas investidas porque nosso ponto é privilegiado; aos olhos do ‘progresso oligárquico monetário’ nós atrapalhamos o desenvolvimento da região e fazemos nada. Mas, risco concreto iminente não há. Já passamos por ameaças graves. Caminhão baú estacionado em frente a nossa porta das sete da manhã até seis da tarde para desalojarmos a casa. Hoje em dia descolamos um interdito proibitório e isso nos dá garantia de algum tempo aqui ainda. Problemas externos não. Há problemas internos, de estrutura do grupo. Porém esse é o movimento natural de avanço e recuo, como sempre.

ANA > Há outras ocupas em Curitiba?

Ocupa J13 < Existem ocupas sim, na maioria da juventude latina que se instala na cidade por um tempo. Pouco tempo atrás, cerca de uns sete meses, participávamos de uma rede de apoio a uma ocupação do quinto andar do prédio do DCE (Diretório Central dos Estudantes) da UFPR (Universidade Federal do Paraná) que tinha exatamente essa característica. Realizamos alguns encontros no ‘El Quinto’, bate-papos, grupo de estudos, oficinas… Acabou com despejo forçado feito pela Polícia Federal a mando do Levante Popular da Juventude em conluio com a reitoria. Afinal de contas “eram vagabundos, artistas de rua que ocupavam o andar e o Levante Popular da Juventude precisava do andar para fazer a luta estudantil, oras bolas”. Outras duas tentativas de ocupação aconteceram, mas ligadas a grupo streetpunk. As casas serviam para dormitório e guardar produtos. Estivemos ligadas à elas através de indivíduos que dividiam o mesmo espaço. Estas duraram poucos meses. Em Curitiba, no momento, não existe outra ocupação punk e isso é péssimo.

ANA > Mais alguma coisa? Valeu!

Ocupa J13 < Agradecemos o espaço e a paciência durante esses quase três meses nos entrevistando. Estamos sempre dispostos e abertos à todas as pessoas interessadas. Também saudar a ANA pelo compromisso rigoroso durante todos esses anos em trazer informações infinitas sobre o universo anarquista no mundo e cruzar as manifestações libertárias sendo o legítimo centro de trocas entre as iniciativas revolucionárias ao redor do planeta. “Que venham os primeiros brotos verdejantes no campo de cinzas que anunciam a nossa libertária vitória…” (Trégua-2015).

Contato: ocupaj13@riseup.net

agência de notícias anarquistas-ana

Uma árvore nua
aponta o céu. Numa ponta
brota um fruto. A lua?

Guilherme de Almeida

“A J13 foi fundada com princípios Straight Edge Punk e assim é mantida até o momento”